In vino veritas

 
Perco-me algures no meio de tintos e rosados. Ecos surgem-me, ressoam em mim, sussurros indecifráveis
Correm-me místicos oceanos, inconscientes universos de outras vidas,
E talvez até mesmo desta.
O corpo grita o que o coração esconde, e ainda assim não o consigo traduzir.
Serão lutos ou lutas? De qualquer modo, quão clichê. 
Uma vida inteira de lutos intermináveis. Sucessivos. De quem amei, de quem não me amou, de quem fui e de quem poderia ter sido. Lutos pelos lutos que ainda não chegaram. Lutos pelas lutas inacabadas.
O meu corpo é enigmática tela, e estendem-se-me nas veias intencionais palavras.
Miro nomes desfocados, canções fragmentadas, fados cantados.
Choro e já nem sei porquê. Penso em quanto a tristeza me pesa. Quanta escuridão em mim carrego. Uma coexistência paradoxal, por vezes quase invisível ao comum dos mortais. Penso em com quem me cruzei e em quem nela me encontrei. Em quem foi capaz de a vislumbrar. E a quem permaneceu eterno mistério, que nem um estranho desconhecido por decifrar. Questiono-me qual das duas será mais importante. Ou, quiçá, mais assustador. 
Ser vista ou não o ser?
Permanecer sol ou ser eternamente lua? 
Às vezes sinto-me um fantasma de mim mesma. 

In vino veritas, 
In vino ploro.

Amar em Tempos de Guerra

Entrego estas palavras ao vento, na esperança de que estas cheguem até ti,
cravado no meu peito as palavras que por cartas, me confessavas.

Perdi-te algures numa guerra, que temo, não ter fim.
Temendo não poder de novo, ver-te.
Guerra de amores desperdiçados, e de corações despedaçados,
Somos fiéis soldados numa luta que nos une,
E que tanto nos separa.
Exército, que não luta senão por amor,
Em busca de um sonho que tem gosto a liberdade.

De espingarda apontada, disparo o teu nome:
Rezando a Deus que saibas que é o teu nome que sangro;
Que é por ti que morro,
E por nós, que vivo.

Somos inertes combatentes na frente,
De corações postos na linha do fogo,
Algures perdidos no epicentro dos descobrimentos,
Na perdida cidade de Atlântida,
Que é este o nosso campo de batalha.

Por ti, sou estratégica e egoísta Alemanha que só deseja possuir-te;
És geográfico arquipélago, que tanto a mim me resiste.

És o real ditador dos meus sentidos;
Sou Normandia à espera que em mim atraques..
Eterna espera que nunca chega.

Passámos de presentes certos, a futuros sonhados,
Assentes na sua própria impossibilidade determinada.

Desertor de Guerra,
Fugitiva que por ti procura,
Mas que nunca encontra,
Torno-me prisioneira de Guerra,
Testemunha de Nuremberga,
Que defende com a própria vida o amor que por ti grito.


E hoje, choro não sabendo se estarás vivo.
Eternamente vivendo na antecipação de que não te tenha perdido.

É amar-te, a ti,
Em tempos de guerra.
Querendo ser tua,
sabendo que jamais poderás ser meu.

Poetas de rua

Por ti sou poeta de rua,
Ser errante em cada esquina,
Sem abrigo que por amor sempre vagueia.
Sou anjo desnudado perdido em cada travessa encontrada.

Faço da revolução o meu tecto,
da prosa o meu lar,
e hoje sou rosa que não desabrocha pelo medo de (me) amar.

Sou espinhos que te rasgam sem sangrar,
Sou o luto e sou a luta,
Vida e esperança,
por que tu tanto anseias encontrar.

Sou o morto que pelo amor morreu,
poesia dos teus fantasmas.

Procuras-me em cada viela,
e de par em par eu corro
imobilizada pelo medo de voar — pássaro ferido que já não mais canta,
Assoberbada por um mundo que já não mais é meu.

Tentas alcançar-me, mas escapo-te por entre os dedos.
Desvanecendo por entre as cinzas daquilo que um dia fui eu.

Mas, por fim,
Renasço.

...Enquanto para sempre o teu nome grafito por cada beco onde me perco.

Inacabado

E a ansiedade é de novo companheira de sonos e sonhos inacabados.
Mostrando-se omnipresente num quotidiano disfarçado de rotinas forçadas, desprovidas de qualquer vontade e sede por viver.

Ansiedade que consome, que sufoca, que me esmaga e destrói.
Ansiedade que me mata.

Estou permanentemente e eternamente acordada - numa realidade sonhada, turva e monótona.
Ou será que durmo?

Conto os dias e os dias não passam, conto os anos e não passam,
E eu, acordada
cansada
Sem ser capaz de recordar a última vez que dormi.

Os sonhos confundem-se com a realidade. Misturam-se. Sem retorno.
E eu, paralisada.

Grito, mas ninguém me ouve.
Sussurro, mas ninguém escuta.
Suspiro, sempre em vão.

O escuro resguarda o meu choro
O meu grito silencioso
A minha fúria sufocada.

O meu presente inacabado.

Sou cinza de sonhos alheios.
Sou fogo extinto em floresta que arde.

Sou insónias de ansiedades mal dormidas,
Ansiedades de amores desperdiçados,
Gritos de pazes dilaceradas.

Dentro de mim existem universos.
Vulnerabilidades em descoberto.
Dentro de mim existe poesia.
Intensidades onde me afogo.
Mágoas que me afundam.
Amores que incendeiam.


Dentro de mim,
Existo eu.

Undressed

O despir físico é banal e comum: intimidade é o despir da alma.

Nunca pertenci a quem mostrei o meu corpo, se nunca se soube encontrar poesia nas minhas estrias e prosa nas minhas cicatrizes.
De nada serve o meu corpo nu, a quem nunca soube ler as entre linhas do arrepio da minha pele e do suster da minha respiração.
De nada serve o meu corpo despido, se nunca se viu para além das curvas nem se amou nunca a arte por detrás da silhueta imperfeita que é este o meu ser.
Nunca fui tua se nunca nos deitámos, juntos e nus, pela mera inocência que é sentir o teu peito contra o meu.

Somos mais que meros corpos.
Somos todas as formas que os nossos sinais formam,
Somos o arrepiar de pele e os suspiros cansados.
Somos prosa e poesia.
Céu, e mar.

Somos os poetas e os artistas,
Que tu nunca possuíste,
Que nunca despiste,
Nem nunca tocaste:

Porque eu sou fogo e gelo,
Sou a praga e a cura,
E sou livre.

Porque como um dia te disse,
Pertencemos ao mundo inteiro e não pertencemos a nada..

...nem a ninguém.


Só eu sou inteiramente minha.